O que acontece na Cracolândia?
Diariamente tem ocorrido bombas de gás e tiros de borracha, mas qual é a disputa que está acontecendo na região conhecida pelo crack?
Se você mora em São Paulo ou já passou pelo centro nos últimos anos, com certeza, já deve ter ouvido falar nos conflitos na região do Campos Elísios, mais precisamente na área conhecida como Cracolândia, uma cena de uso de drogas no centro de São Paulo, com muitas pessoas em situação de rua que é território de várias disputas políticas e financeiras há anos e que recebe pouca atenção do governo.
Para falar do que acontece lá hoje, vamos voltar alguns anos e falar como essa cena se formou e se tornou o que é hoje. A primeira apreensão de crack em São Paulo aconteceu há pouco mais de 3 décadas no dia 22 de junho de 1990 na Zona Leste, tratava-se de 220 gramas da droga, o que é muito mais do que é apreendido em abordagens cotidianas pela polícia hoje, pois se tratava de cerca de 880 pedras para venda, num negócio que ninguém imaginava, mas que iria dominar o centro de São Paulo em anos.
Por ter um baixo custo, o Crack começou a substituir outras drogas como a Cocaína, a Maconha ou até mesmo a Cola de sapateiro. A região da Luz era onde funcionava a rodoviária e tinha um grande fluxo comercial e turístico na região. Porém, em 1982, com o surgimento da estação rodoviária do Tietê, tudo o que funcionava por ali migrou para outras regiões, abrindo espaço para o crescimento do fluxo do Crack.
Os anos de degradação urbana que se seguiram após 1986 na região da Luz se agravaram a partir de 1990 com a chegada do crack. O policiamento na região não era suficiente para combater o problema. Além de não ter uma proposta de urbanização para substituir a saída da Rodoviária que fazia toda região funcionar, sem investimento em saúde, mobilidade, zeladoria ou segurança para o local.
Hoje a região é alvo de várias disputas, tanto políticas, quanto financeiras. Porém, nem o Estado, nem o mercado se preocupam de fato com as vidas que estão ali, respeitam suas histórias, nome e vivências, apenas querem limpar a região a todo custo, em troca da vitória nas eleições ou de prédios novos construídos. Mas, assim como a Cracolândia não se formou do dia pra noite e de maneira simples, ela não vai se desfazer do dia para a noite e de maneira simples.
Desde 2005, proposto pelo então prefeito José Serra, há um projeto que é cancelado e reiniciado sempre que é o Nova Luz. Trata-se de uma série de revitalizações a serem feitas na região, correspondente aos bairros da Luz e Santa Efigênia, mas que apesar do grande investimento, em nenhuma versão previu os gastos com moradia e saúde, apenas reformas, com um grande poder do Estado por trás, com bombas de borracha e gás lacrimogêneo.
Hoje, o que acontece na Cracolândia é que está sendo construído um hospital privado logo ao lado das cenas de uso de droga, além da Porto Seguro ter comprado várias áreas por ali para investir em cultura, como um teatro e um espaço de exposições, mas que é muito elitizado e que recebe pessoas que não se agradam com a atual situação do território.
Para complicar ainda mais a situação, o setor imobiliário construiu prédios residenciais de classe média, bem no meio do fluxo de drogas e prometeu que entregaria para os compradores sem os usuários ali. Em paralelo ao início dessas obras, João Dória, na época prefeito de São Paulo, havia declarado que a Cracolândia tinha acabado, após uma violenta invasão da Guarda Civil Metropolitana, junto com a Polícia Militar.
Toda cidade de São Paulo quer o fim da Cracolândia. A pergunta que fica é – “como?” – a custo das vidas dos usuários com uso da violência, como faz o Estado, junto com o setor imobiliário? Sempre dizemos e repetiremos: a Cracolândia não se resolve com bomba de gás e tiro de borracha. A situação que foi implantada ali é complexa e exige uma resposta de longo prazo, humana e multidisciplinar.
A questão do crack se resolve entre várias secretarias do município e diversos setores da sociedade, não é apenas no gabinete do secretário de segurança pública. Enquanto buscarmos respostas imediatas e simples, o crack irá se proliferar, vidas irão continuar sendo destruídas e a violência da polícia não diminuirá. A resposta está a longo prazo e na redução de danos, com um olhar humanizado e paciente.